Um Trago do Tempo
Pedro Penido
Esta é uma história tão louca quanto a História e qualquer outro traço de conhecimento organizado que possa ser chamado assim. Dado e escrito que o melhor jeito de se mudar o futuro é conhecer seu passado e agir no presente, nós, espécie humana T, somos artífices numa matéria muito estranha aos olhos de qualquer outra espécie no universo. Somos os artífices de um futuro sombrio, cujo brilho, único, vem do fogo e do ouro da pirâmide. Fogo na base, para afastar as bestas. Ouro no topo, para sagrar seu cume a própria deidade.
A Espécie Humana
Evolução. Esta é a única forma de se perceber. Não está escrito em páginas de um livro, mas está cravado nas rochas, nos fósseis, no comportamento das espécies, nas suas heranças genéticas e em seus traços atuais.
E mesmo sendo o que há de mais refinado em termos de Evolução (tanto própria quanto científica), nós, espécie humana, ainda somos confusos. Somos um milagre da natureza, somos capazes de alterar nosso ambiente, somos capazes de tanta coisa, e ainda somos confusos. Mal sabemos nós o que queremos, o que somos e o que merecemos. Quais nossos direitos naturais?
Mas sobre o ser humano há algo que deve ser dito. Seu maior dom e seu maior presente, são, exatamente, sua desgraça e condenação. Nossa imaginação nos fez crer em deuses, em fronteiras, em forças e poderes, em frações de verdade que nos moldaram e nos enfiaram num caminho quase que sem volta.
Nossa imaginação não criou mas formatou o Tempo. Marcamos nele nosso compromisso com o enriquecimento da vida, das possibilidades, das incríveis histórias... dos outros. De uma outra classe de seres humanos. Uma classe abençoada por deus. E esta é a ironia suprema de nosso Tempo.
Deus, sentado em seu trono de ouro, dá as regras, que alguns seletos podem ouvir e transmitir, e outros mais seletos ainda podem financiar. O resto do trabalho é largado para nós, a Espécie Humana T.
Mas, além de todos nós, da T, existe a Espécie Humana C, existe também a Espécie Humana E. Mas, na verdade, todos somos apenas Espécie Humana. Um tipo de manifestação virótica que infesta este planeta.
A Espécie T
Você talvez esteja se perguntando que diabos [sim... a palavra diabo (e muitas outras) é permitida aqui] é esta Espécie Humana T.
A resposta é muito interessante. Porque é quase que imediatamente compreensível quanto completamente assimilável.
Todos nós somos a Espécie T.
T de TRABALHO.
Uma das faculdades da mente humana é dar a este corpo maluco a disposição, as ferramentas (articulações, mão em forma de pinça, força) para trabalhar. Ao contrário de tantas outras espécies, somos desprovidos de veneno (exceto a religião), garras, presas, couraça, chifres, capacidades de velocidade, de vôo, de força bruta, de evolução (filhotes de tartaruga já nascem caminhando rumo ao mar revolto...).
Somos uma espécie fraca do ponto de vista de nossas defesas naturais. Por isso, como forma de contra-balancear isso tudo, a Natureza nos deu um cérebro imenso, que nos permitisse ver o mundo como a matéria-prima de nossa Caminhada (não falo em destino, mas em evoluir pra não se sabe onde).
Mas, voltando ao tema do trabalho, concordamos que é vital à esta Caminhada mencionada. Sim... precisamos de ferramentas, abrigos, proteção contra as bestas sanguinárias do mundo selvagem. Isso é fato.
No entanto, dar rumos ao trabalho é a maior jogada de todos os tempos. E isso começou com a dominação básica de um pelo outro. Para não apanhar do homem das cavernas mais forte, o mais fraco se submetia às suas regras e proteção. A troco de quê? Trabalho. Caçava, pescava, seguia sua liderança nos combates e na vida nômade da alvorada da humanidade.
A herança do trabalho, como força motriz do mundo e, em seguida, como moeda das civilizações, transformou o homem em uma outra força poderosa. E, como toda força, capturou a atenção do próprio olhar do homem. Foi mensurada. Foi compreendida. E, gran finale, controlada. Domesticada.
E desde então, separaram-se as Espécies. A nós, T, ficou a responsabilidade de trabalhar. De criar o sustento das demais. Não foi diferente nos povos escravizados por Roma. Não foi diferente no regime de servidão dos Reis. Não foi diferente nos escravos negros que fizeram funcionar moendas e engenhos, remos e minas no Novo Mundo. Não é diferente dos novos escravos, agora uniformizados, que caminham feito porcos (Chaplin!!) para as prisões do tempo e do trabalho.
Somos a Espécie T. Aquela do trabalho. Podemos nos orgulhar de termos mudado o mundo, alterado seu traçado. Removemos montanhas, perfuramos a terra, controlamos rios e barragens imensas. Mas, quem corta a faixa de inauguração não somos nós. Também não brindamos a nada.
Ainda somos as gerações de escravos que construíram mausoléus e pirâmides para os Faraós. Ainda somos legiões de escravos cuja vida e memória estarão perdidos na História. Reis e Faraós são lembrados. Não seus trabalhadores. Reis e Faraós, capitães da Espécie Humana C.
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